Documentário sobre o disco Dwitza


O programa Som do Vinil apresentado por Charles Gavin convidou Ed Motta para falar sobre o seminal álbum Dwitza, lançado em 2002 pela Universal.

O programa foi ao ar dia 14 de setembro de 2012 no Canal Brasil. Abaixo, vocês conferem o programa na íntegra, dividido em duas partes.

Curiosidades: O CD saiu na época em duas versões: em CD normal e outra versão em CD com capa de LP.
O disco mostrado na foto é uma reedição em LP pelo selo WhatMusic.
Possui 14 faixas, e apenas duas contém letras, embora Ed tenha concebido o álbum inteiro como instrumental-vocal (a voz fazendo as melodias e solos).
A capa foi concebida por Ed e Edna Lopes. Mais informações sobre o disco aqui.

OBS: Abaixo do vídeo, republicamos a descrição de faixa a faixa do álbum, feita pelo próprio Ed Motta.

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Ed Motta comenta as faixas de "Dwitza":
+ Um Dom pra Salvador
Dedico esta música a Dom Salvador, pianista brasileiro radicado há anos nos EUA. Tive a oportunidade de mostrar esta composição para ele quando se apresentou no Carnegie Hall, em Nova York, abrindo os shows da turnê de Ivan Lins, que passou por mais de 20 cidades americanas. O solo de sax-soprano de
Lelei tem a influência direta de Yusef Lateef, seguindo a tradição do afro-jazz.

+ No Carrão eu me Perdizes na Consolação
Eu sempre quis homenagear São Paulo, pois apesar de eu ser carioca acho que é a cidade que mais tem a ver com meu estilo de vida. Uma introdução impressionista abre este samba-jazz e o solo de flauta de Marcelo Martins completa o clima de programa de televisão da década de 70.

+ Sus-tenta
Uma música de harmonia minimalista, feita do início ao fim com acordes "sus-4". O clássico "Maiden Voyage" de Herbie Hancock é um marco nesse tipo de harmonização. Apesar de todas as músicas terem tido seu início com a marcação das baquetas, apenas nesta ela é audível.
Completamente influenciada por James Mason, Norman Connors, Lonnie Liston Smith, Roy Ayers... Aqui, no comando de um piano Wurlitzer, registro a influência de João Donato na minha maneira rítmica de tocá-lo.

+ Doce ilusão
Foi inspirada em Suely Costa e Dorival Caymmi, esta é uma das duas únicas músicas do álbum com letra. Nelson Motta letrou a minha melodia com perfeição e o final jobiniano intensifica essa balada Nouvelle Vague. O solo vocal foi gravado de uma só vez.

+ Lindúria
Esta música foi composta no dia de aniversário da Edna, minha esposa, que nasceu no mesmo dia que o John Coltrane. O swinging-london de Brian Auger, o pop-jazz do Steely Dan e os Boogaloos dos anos 60 deixam marcas evidentes nesta faixa. Paulinho Guitarra demonstra todo seu conhecimento na arte dos
"bends" de guitarra num solo melódico e com pegada de blues, gravado também no primeiro take. E eu canto num inglês que não existe, só em "Dwitza".

+ Valse au beurre blanc
Do inglês fake ao faux-français, caímos diretamente no universo chansonnier francês com direito a coral lírico e acordeon de Agostinho Silva. A letra é uma relação de queijos e vinhos da melhor estirpe. Livarot e Chambertin são, respectivamente, bons exemplos. Adoraria ter a música incluída na trilha sonora de algum filme de Jacques Tatit, mas como não é mais possível, me contento em embalar a trama de um de seus possíveis seguidores.

+ Amalgasantos
Não é preciso ser nenhum connaisseur para captar a intenção de homenagear Moacir Santos, o mentor espiritual deste disco. Esta música foi composta em compasso 6/8, definindo claramente seu fio condutor afro-soul-jazz. O solo de vibrafone é de Jota Moraes, colaborador fundamental desde "Entre e Ouça",
de 1992. 

+ A balada do mar salgado
Como sou leitor compulsivo de histórias em quadrinhos, pesquei o nome desta música de um dos livros da série "Corto Maltese", de Hugo Pratt. A alegria italiana contrasta com o clima de balada soturna de jazz, à la Charles Mingus. Tensão e relaxamento se alternam no dueto com Leila Maria - uma das minhas
cantoras preferidas e a primeira cantora que participa de um CD meu - e no duelo de melofone, bombardino, trombone e trumpete.

+ Coisas naturais
Como o título sugere, esta é a segunda exceção do álbum, em que assino a composição da música e tenho a parceria de Ronaldo Bastos na elaboração da letra. Com quatro músicos tocando pratos, timbales, congas e bongos, entre outros instrumentos de percussão, embarquei num clima de Marcos Valle, Donato e
Cal Tjader. Destaco o Chico Batera, que já havia participado do álbum "As segundas intenções do manual prático...".

+ Malumbulo
O solo de sax-barítono é a marca registrada dos álbuns de Cecil Payne e Charles Davis para o selo Strata East, que adoro. O baritonista Teco Cardoso deu conta do recado neste free-jazz, bem ao meu estilo.

+ Madame pela umburgo (no seu teatro dos olhos)
É uma personagem fictícia de filme mudo do expressionismo alemão, possível amante do Dr. Mabuse, coisa do meu lado cinéfilo. Nem é preciso dizer que esta faixa poderia integrar alguma trilha sonora; na verdade, ela já faz parte, só falta realizar o filme. A rara mistura de cravo (Marcelo Fagerland), violão de 12 cordas (Jaime Alem) e violoncelo (Jaques Morelenbaum) dá o tom de tristeza do leste europeu em contraste com a animação italiana. Traduzindo em influências: a música passa pelo produtor e arranjador americano David Axelrod aos mestres das trilhas Mancini e Morricone.

+ Cervejamento total
É samba-psicodélico. Ouvindo com cuidado, os sintetizadores antigos, analógicos, insinuam uma insondável influência do rock progressivo nesse samba-jazz. O percussionista Pirulito faz uma escola de samba sozinho.

+ Papuera
O compasso desta música é 5/8, o que a deixa praticamente impossível de dançar. Mas mesmo assim, o groove soul-jazz desta faixa é capaz de fazer milagres. Jessé Sadock Filho evoca Charles Tolliver e Jimmy Owens num improviso lindo.

+ Instrumetida
Não poderia haver título melhor para quebrar a resistência de alguns em relação à música erudita. "Instrumetida" é uma das faixas musicalmente mais complexas de "Dwitza". Não bastasse isso, ela conta com a participação de uma orquestra de 18 músicos, que gravaram simultaneamente, do oboé
(compondo a melodia) à tuba (fazendo a cama com o trombone). Scriabin e Honneger são os compositores contemporâneos do gênero que mais admiro. Jessé Sadock Filho encarregou-se de transformar meus sonhos em realidade.

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